Documento audiovisual integrado no projeto “Da Serra para a Fábrica” da Binaural/Nodar e da Biblioteca Municipal de Castro Daire, o qual visa resgatar, pensar e expressar criativamente sobre as memórias da diáspora migrante para a zona oriental de Lisboa ao longo do século XX, com a particularidade de a maioria dessa gente ser oriunda da Beira Alta, nomeadamente dos concelhos de Castro Daire, Cinfães, Resende e São Pedro do Sul. O projeto faz parte da rede cultural “Where the city loses its name” co-financiada pelo Programa Europa Criativa e que junta a Binaural/Nodar, os parceiros espanhóis/catalães da LaFundició e os romenos da Fundatia AltArt.

A história de vida de Abílio de Azevedo, nascido na aldeia de Outeiro de Eiriz (Parada de Ester, Castro Daire) em 1968, mostra como os fluxos migratórios beirões para a zona de Marvila existiram até há relativamente poucos anos (anos 80/90), o que contradiz a imagem comum de que essa emigração só aconteceu nos anos do Estado Novo, quando os níveis de pobreza rural eram verdadeiramente extremos. Cada vida é feita de circunstâncias, acasos e destinos e a de Abílio de Azevedo ficou marcada, por um lado, por uma família com outros dez irmãos em que todos sem exceção sairam da aldeia e, por outro, pelo mundo da restauração no qual começou a trabalhar com apenas treze anos, no restaurante “O Bar das Colunas”, situado no Poço do Bispo. Seguiu-se o Restaurante Formoso na Rua Vale Formoso de Baixo e, passados anos, acabou por abrir sociedades no ramo. Atualmente gere o restaurante “Jardim do Poço do Bispo” no coração da freguesia de Marvila.

Sendo alguém que chegou a Lisboa há menos anos do que muitos dos seus conterrâneos, Abílio de Azevedo descreve com detalhe assinalável uma série de aspetos da vivência do Bairro Chinês, como a mudança para o prédios e da sociabilidade que se perdeu (“antes todos assávamos sardinhas juntos”), o ambiente social profundamente montemurano de lugares onde se armavam bailes regionais como o Solidó, Os Cinfanenses, a associação de Alhões ou a associação do Rossão e os armazéns de vinhos cuja memória se perde nas brumas do tempo: o José Domingos Barreiro, o Bolzan & Martinez, o Joaquim Alves e o Abel Pereira da Fonseca.

Entrevista a Abílio de Azevedo realizada por Susana Rocha no dia 26 de fevereiro de 2015 em Marvila (Lisboa). Edição audiovisual de Nely Ferreira.