Documento audiovisual integrado no projeto “Da Serra para a Fábrica” da Binaural/Nodar e da Biblioteca Municipal de Castro Daire, o qual visa resgatar, pensar e expressar criativamente sobre as memórias da diáspora migrante para a zona oriental de Lisboa ao longo do século XX, com a particularidade de a maioria dessa gente ser oriunda da Beira Alta, nomeadamente dos concelhos de Castro Daire, Cinfães, Resende e São Pedro do Sul. O projeto faz parte da rede cultural “Where the city loses its name” co-financiada pelo Programa Europa Criativa e que junta a Binaural/Nodar, os parceiros espanhóis/catalães da LaFundició e os romenos da Fundatia AltArt.

Leonel Ribeiro é um homem com uma capacidade única de tornar vívidas as suas memórias de vida. Graças a ele, percebemos com exatidão como começou o processo de subaluguer de barracas do “bairro chinês”, vulgo Quinta Marquês de Abrantes, na freguesia lisboeta de Marvila. Em meados dos anos cinquenta, deixou a sua terra natal da Póvoa do Montemuro (concelho de Castro Daire) rumo à capital para fazer o serviço militar e conheceu pela primeira vez a zona oriental de Lisboa, onde praticamente ainda não havia emigrantes castrenses. Graças a um casal da aldeia da Panchorra (concelho de Resende) que já estava estabelecido na zona, Leonel Ribeiro construiu a sua primeira barraca e, passado algum tempo, foi submergido por pedidos de outros conterrâneos entretanto chegados a Lisboa para pernoitarem e cozinharem na sua barraca. A partir da consciência de que mais viriam, este montemurano empreendedor pediu alugado um terreno ao dito casal da Panchorra e começou então a construir mais barracas para ele próprio subalugar. Nas palavras do próprio, havia meses em que pagava oitenta escudos da renda da sua barraca e recebia mais de trezentos escudos de subalugueres de outras barracas por si construídas.

O facto de Leonel Ribeiro, por entre o negócio de subalugueres de barracas, ter trabalhado em vários lugares como na serralharia Brito e na estiva, não foram motivos suficientes para o mesmo se deter a detalhar os meandros das suas profissões, preferindo acabar a entrevista com mais uma história deliciosa: de como num certo dia de chuva e estando a chegar da estiva para almoçar na sua barraca, escorregou pelo “cano da água” (conduta informal de fornecimento de água ao bairro chinês) abaixo, ficando todo cheio de lama e acabando por não ir trabalhar de tarde.

Captação de imagem e som por Luís Costa a 29 de novembro de 2019. Editado por Liliana Silva.