Documento audiovisual integrado no projeto “Da Serra para a Fábrica” da Binaural/Nodar e da Biblioteca Municipal de Castro Daire, o qual visa resgatar, pensar e expressar criativamente sobre as memórias da diáspora migrante para a zona oriental de Lisboa ao longo do século XX, com a particularidade de a maioria dessa gente ser oriunda da Beira Alta, nomeadamente dos concelhos de Castro Daire, Cinfães, Resende e São Pedro do Sul. O projeto faz parte da rede cultural “Where the city loses its name” co-financiada pelo Programa Europa Criativa e que junta a Binaural/Nodar, os parceiros espanhóis/catalães da LaFundició e os romenos da Fundatia AltArt.

Maria Trindade Henriques nasceu na aldeia das Carvalhas, freguesia das Monteiras, município de Castro Daire e logo após ter sido batizada, com apenas quinze dias, foi com os pais viver para a Rua José do Patrocínio, na freguesia de Marvila em Lisboa, enquanto a sua irmã mais nova que tinha meningite foi aconselhada pelos médicos a ir para a “terra” para ser cuidada pelos avós, na esperança que um milagre a curasse, o que felizmente aconteceu. As memórias de Maria Trindade Henriques são também aquelas dos seus pais que trabalharam arduamente, o pai lisboeta na construção nas Docas de Lisboa, a mãe castrense na Fábrica Nacional, na “Sabão” (Sociedade Nacional de Sabões) e noutras fábricas de Marvila.  A meninice passou depressa e das brincadeiras de mercearias, com balanças feitas de caixa de graxa e pedras a fazer de batatas, aos treze anos de idade Maria Trindade Henriques estava já a dobrar camisas na Rua Augusta e daí passou por um sem fim de trabalhos: na Fábrica das Varandas, na “Sedas e Veludos”, no Batista Russo, nas limpezas e outros. Os anos passaram, mas não a memória vívida da aldeia e da Marvila mais castrense: do cheiro a carqueja queimada, das panelas de ferro, das velhotas das Monteiras que levantam as saias às raparigas de Lisboa a ver se tinham saiotes, dos bailes à moda da aldeia e dos santos populares nos pátios de Marvila, e mais recentemente, do seu papel na exploração do bar da Casa de Castro Daire em Lisboa e na promoção de atividades rurais como a matança do porco ou o magusto, ou da seu envolvimento nas danças e cantares no âmbito do Rancho Etnográfico da Casa de Castro Daire em Lisboa.

Entrevista a Maria Trindade Henriques realizada por Susana Rocha no dia 26 de fevereiro de 2015 em Marvila (Lisboa). Edição audiovisual de Nely Ferreira.