Na aldeia de Campia, freguesia do Município de Vouzela, todos os anos é semeado centeio, um cereal resistente que não necessita de rega e que se adapta facilmente ao clima exigente das terras altas.

Diziam os antigos que o pão de centeio era o alimento dos humildes, pelo que preservar esta tradição é também celebrar a força da comunidade. Isso mesmo é demonstrado por António Adrião Henriques nascido a 26 de Maio de 1943 e sua esposa, Fernanda Ferreira nascida a 13 de Fevereiro de 1944, naturais e ainda residentes na aldeia de Campia. Este casal ajuda a não deixar esta tradição secular, confeccionando broas de milho e centeio em articulação com a Associação do Grupo Carnavalesco de Campia, fazendo questão de levar para a malha e ceifa do centeio pelo menos cinco broas, para que não falte merenda às pessoas que nelas participam. Conta-nos Fernanda Ferreira que todos “já estão habituados nisso” e enquanto puderem, irão continuar a contribuir desta forma para que a tradição se mantenha.

Ao longo da conversa, foram explicando todo o processo de confecção da broa e da bola. Apesar de este ano não terem utilizado a típica “masseira” para a confecção da broa que agiliza todo o processo, não foi isso que os impediu de realizar as tão esperadas broas de milho e centeio.

Fernanda Ferreira vai explicando o processo enquanto Adrião Henriques começa por verter água a ferver em cima da farinha de milho que se encontra dentro da “gamela”. Segundo Fernanda Ferreira, temos apenas de esperar que a água arrefeça para que seja possível “lá colocar as mãos”. Até lá, com a ajuda de uma “raspadeira”, Adrião Henriques vai envolvendo a água e a farinha de milho. Diz-nos que este pequeno pormenor é muito importante pelo facto de ser através da água a ferver que a farinha fica mais “macia”, caso contrário ficaria muito “áspera”.

Afirmam que o facto de utilizarem milho de cultivo próprio, faz também toda a diferença: “O milho de fora, o milho que se compra agora, no primeira dia come-se mas depois fica todo esfarelado”. Refere que o milho comprado é muito bom para os animais mas para cozer a broa não. Apesar de nos falar de dois tipos de milho, o branco e o amarelo, eles privilegiam sempre o amarelo.

Adrião Henriques conta-nos que em Campia existe mais uma pessoa que continua a fazer a broa desta forma artesanal, apesar de não o fazer com a mesma regularidade que a sua família.

Falam-nos da importância do fermento caseiro e quais as principais diferenças em relação a um fermento comprado nomeadamente a um padeiro.
Recordaram também quando Adrião Henriques e outros familiares próximos foram mordomos da Festa de São Miguel em Campia, e de como faziam dinheiro para ajudar a mordomia, com a venda da broa feita em sua casa.

Depois de todo o processo de amassar levado a cabo por Adrião Henriques, Fernanda Ferreira diz-nos que até a broa cozer leva pelo menos uma hora. Refere que todo o processo é ainda feito como “os antigos faziam”, inclusive com a recitação de uma oração que já a sua mãe utilizava depois de marcar uma cruz na massa:

“Senhor São Vicente te acrescente,
São Mamede te levede,
São Frutuoso te faça gostoso
Na masseira como no forno,
Com a graça de Deus pelo mundo todo,
nós a comer e ele a crescer,
Tudo por Deus Nosso Senhor pode fazer.
Em louvor da Virgem Maria,
Pai Nosso e Avé Maria”.

Após esta oração, vemo-la colocar uma tolha sobre a “masseira” e, por cima da mesma, a peneira dizendo: “Isto são coisitas dos antigos, mas a gente faz assim”. Após ter “sobrasado” o forno e de este estar bem quente finalmente foram colocadas as broas.

Entrevista a Adrião Henriques e Fernanda Ferreira conduzida por Liliana Silva. Captação de imagem e som por Liliana Silva a 28 de Junho de 2019. Editado por Liliana Silva.