Sónia Couceiro, residente em Rebordinho – Vouzela, tem as melhores recordações do tempo que viveu em Luanda – Angola, de onde saiu prestes a completar os sete anos. Filha única até aos seis, “era a princesa da família”, incluindo da avó, com quem brincava, passeava e ia às compras.
Os seus pais estavam estabelecidos na área do comércio e cultivavam algumas terras, onde “tudo brotava com abundância”.
Embora houvesse realidades opostas – com bairros de lata e zonas urbanas a partilharem a paisagem – o ambiente, garante Sónia Couceiro, “era fantástico”. As crianças brincavam, chapinhavam nas valas que se formavam quando chovia e ajudavam a tratar dos animais.
Face à instabilidade e à falta de segurança, houve uma fase em que temeu pela vida da família. Optaram por voltar a Portugal, mas o pai não quis sair com o estatuto de retornado, dado que queria ter a oportunidade de voltar a Angola.
Ainda assim, o regresso às origens, onde o pai já tinha uma casa começada, não foi um conto de fadas. “Quem tinha tudo e veio sem um brinquedo”, recorda, com mágoa, acrescentando que, quando chegou a Portugal “era tudo diferente, tudo tão triste para a vida que tinha lá”.
As condições precárias da habitação, “uma aldeia fechada, escura e triste” e o fato de ter crescido sem amigos, uma vez que não era bem aceite pelas outras crianças, deixaram em si um sentimento de revolta e marcaram a sua infância.
Hoje, aos 54 anos, acalenta o sonho de um dia regressar à sua terra, “mesmo que esteja destruída”, e de voltar a experienciar a felicidade que sentiu enquanto menina. “Só para sentir o cheiro. É um cheiro que acho que só está dentro de mim. Cheirar o pó da terra”, explica.