José Ribeiro traz-nos histórias que o tempo não levou. A vida dura do campo, usos e costumes ligados à alimentação e à subsistência, a chegada da televisão e até o início das festas populares em honra de Santa Ana fazem parte deste testemunho, em que não são esquecidas as antigas rivalidades entre Rebordinho d’Aquém e d’Além, que é como quem diz entre a Capela e o Souto.

A este imaginário não escapam ainda as brincadeiras que, em criança, povoavam a aldeia, como a bilharda, o espeto ou o arco de verguinha. Era no Largo da Capela que se fazia o autêntico “arraial” entre os mais novos.

Porém, dadas as dificuldades, era comum começar-se a trabalhar em tenra idade. José Ribeiro, por exemplo, tinha 12 anos quando principiou a passar rolos às costas, depois de serrados manualmente, para serem carregadas no carro das vacas. Com a floresta como pano de fundo, as sanchas amarelas, que ficava responsável por cozinhar, abundavam e eram um autêntico petisco.

O setor primário era a base da economia local. “Governavam-se como podiam”, recorda, explicando que se vivia da venda de vitelos, cordeiros, vinho e das bicas da resina.

A junta de vacas, salienta, era indispensável para lavrar as terras e “os antigos” chegavam a andar um mês com a charrua a desempenhar esta tarefa. Cultivava-se batata e cereais, como milho e centeio, que serviam também de ponto de partida para muitos momentos de festa, nomeadamente na ceifa. “Nas casas mais abastadas, com maior movimento, ocupavam praticamente toda a gente da aldeia”, conta José Ribeiro, realçando que nestes dias havia ementa melhorada, como papas de mel e outros petiscos.

Os moinhos onde se obtinha a farinha para a broa feita na masseira, os cortiços das abelhas, a transformação do vinho no lagar e o ciclo do linho com que se faziam toalhas e camisas têm também lugar nas suas memórias. Como não havia luz, “alumiava-se com as candeias a petróleo”, explica, acrescentando que “a televisão chegou tarde”. A primeira que veio “foi para o aviário do tio António João, tocada a gerador”, onde foi ver uma cerimónia em Fátima.

José Ribeiro esteve também ligado ao arranque dos festejos populares das Festas de Santa Ana, que até aos seus 20 anos incluíam apenas a vertente religiosa. Ele e o seu tio Floriano das Leiras convidaram um conjunto de São Pedro do Sul e foram pedir alguns foguetes aos mordomos. Apesar de ter um início modesto, o arraial “foi crescendo”, acolhendo inúmeros grupos típicos e rapazes e raparigas chegaram a pagar bilhete para irem dançar. “Começou-se com pouco e agora temos uma festa boa”, garante.