Four Shepherds é um projeto documental sonoro de Duncan Whitley, baseado nas vocalizações dos pastores de uma pequena aldeia nas montanhas de São Macário. Trabalhando com a comunidade de pastores de cabras em Covas do Monte – uma das poucas aldeias da região onde se utiliza um sistema comunitário de pastoreio para gerir as cerca de 1500 cabras que aí são criadas – foi gravada uma série de registos sonoros em que os pastores documentam o seu trabalho diário ao levar o rebanho para pastar. A pastorícia funciona por turnos, com um total de cerca de dez pastores, cujos percursos diários alternam consoante a época do ano, o tempo, a prevalência de ataques de lobos perto de pastagens específicas ou consoante o capricho.

As gravações seguem quatro pastores, que seguem quatro caminhos distintos para os pastos. Cada pastor foi equipado com microfones lavalier miniatura e gravadores digitais portáteis, que transportavam consigo. As gravações – cada uma com uma duração de uma ou duas horas na sua forma não editada – foram posteriormente desenvolvidas numa obra sonora composta para quatro altifalantes, na qual a voz de cada pastor foi atribuída a um altifalante.

Four Shepherds explora as possibilidades criativas na prática sonora documental e etnográfica contemporânea, desenvolvida especificamente através de uma residência de produção em Covas do Monte, no âmbito do programa «Magaio Voicescapes» da Binaural Nodar.

O projeto explora temas como a representação do som no espaço, o mapeamento de territórios geográficos e acústicos através da produção sonora multicanal (especificamente os territórios disputados coabitados por lobos e pela população de Covas do Monte) e as possibilidades narrativas abertas pela reconstrução dos percursos ou viagens individuais de quatro pastores num ambiente sonoro imersivo.

Excerto do diário de Ducan Whitley:

«Um chamamento para reunir o rebanho; um grito para assustar os lobos. Hoje fiz uma série de gravações, esboços, ao longo do leito semi-seco do rio que vai de Covas do Monte até ao sopé da montanha. O mesmo percurso que tinha feito com Luís e a «tia» Maria Martins há dois dias; onde Maria tinha feito uma série quase ininterrupta de chamamentos e gritos durante vinte minutos a partir da encosta, e eu tinha ficado ao lado dela, a ouvir a sua voz a responder-lhe do lado oposto.

Esta manhã, são Fátima e Rosa que levam as cabras para a encosta. Eu espero num ponto elevado no meio do leito do rio, por onde as cabras passarão de ambos os lados, com centenas e milhares de pedras a «tilintar» sob os seus cascos, criando uma densa trama sonora pontuada pelo assobio dos pastores que as acompanham. Ao chegarem à encosta, Fátima e Rosa trocam piadas: «Olha, viste esta merda de gado?», «É para ali, Rosa. Acho que é do Manuel João…». Entre as palavras, Rosa exala uma série de gritos agudos, subindo e descendo de tom; a sua voz ecoa pelas pedras e arbustos antes de recuar para o vale, retornando três vezes como um eco.

Covas do Monte e o Lobo:

Há alguns anos, o número de cabras em Covas do Monte totalizava cerca de 2.500. Numa aldeia que sobrevive em grande parte da agricultura de subsistência, a cabra é uma das poucas fontes de rendimento dos seus habitantes. A diminuição significativa do número de cabras na aldeia é atribuída aos frequentes ataques de lobos aos rebanhos – as montanhas de São Macário são o esconderijo de algumas das únicas 65 matilhas de lobos ibéricos que restam em Portugal – e à relutância dos aldeões em substituir os animais perdidos, que se sentem incapazes de proteger. A lei permite que os aldeões solicitem uma indemnização pelas cabras perdidas para os lobos, mas o processo é complicado, exigindo a visita de um técnico para verificar a causa da morte. Para que um pastor possa solicitar uma indemnização, deve primeiro localizar e proteger o cadáver do animal atacado, o que muitas vezes significa sobrecarregá-lo com pedras pesadas, na esperança de que o corpo ainda esteja intacto quando o técnico chegar, dias depois. E depois, se aprovado, os agricultores têm de esperar, por vezes, até dois anos para receber a indemnização. A caça ao lobo ibérico é proibida pela lei nacional portuguesa desde 1988, daí a raiva palpável entre os 48 habitantes de Covas do Monte face à ameaça que os lobos representam para o sustento da aldeia. Tudo isto apesar dos melhores esforços do «Grupo Lobo» para promover a coexistência entre criadores de gado e lobos, através de vários métodos, incluindo a reintrodução de raças nativas de cães — como o Castro Laboreiro — para proteger os rebanhos.