Várzea de Calde, primavera de 2019. Registo sonoro integrado numa série de gravações realizadas para o projeto Viseu Rural 2.0 e para o Arquivo da Memória de Várzea de Calde, cujo tema principal são diversos usos e conhecimentos sobre plantas: medicina, culinária, construção de ferramentas, rituais, jogos, etc.

Tendo sido a terra o sustento básico das famílias de Várzea de Calde durante séculos, a cozinha rural representava o epicentro da vida familiar. Na cozinha de Isabel Filipe está o fogo aceso. As maçãs assadas queimaram-se um pouco pois estávamos concentradas na conversa. Tomámos chá e conversámos sobre a alimentação de há décadas atrás. Isabel Filipe referiu-se às árvores de fruto que a sua família tinha no passado e às diversas qualidades de maçãs que consumiam, tanto as pessoas como alguns animais. Falou do vinho e da aguardente que se produziam em casa, tal como dos lugares da aldeia onde existiam alambiques. A aguardente fazia parte da vida quotidiana da gente, tanto os homens como as mulheres a bebiam pela manhã e era acompanhada muitas vezes de figos secos, de casa ou comprados.

Na casa de Isabel Filipe havia milho, algum feijão e proteínas oriundas de coelhos, ovos, frango, cordeiros etc., para além do porco que matavam. Quando matavam o porco, guardavam torresmos e salpicão para levar para as terras quando se ia trabalhar e comiam-nos com fatias de pão e ovos fritos por cima. Também levavam sardinhas com louro e alho, muitas vezes cozinhadas em dias anteriores pois não havia frigoríficos.

Com algumas pinceladas, Isabel Filipe descreve a paisagem sonora e agrícola da época da sua juventude: antes cantava-se mais e sempre espontaneamente: como faziam aquelas mulheres em ambas as margens dos lameiros ao pé do rio, numa época em que, ao contrário de hoje, não existia fartura, outrossim fome. Para tornar a conversa mais acolhedora, Isabel partilha connosco chocolates e doces que a sua filha trouxe da Suíça.

Entrevista de Ana Rodríguez com Isabel Lopes Filipe (n. 1947).