Nascido e criado em Rompecilha, São Pedro do Sul, Alberto Martins, à beira de completar 85 anos, saiu da aldeia apenas para cumprir o serviço militar. No seio de oito irmãos, os seus pais residiam na Varejeira, à entrada do povo, e cultivavam terras de renda, além da criação de gado, um setor essencial.

A família tinha uma junta de vacas e uma toira, que andava ao ganho, e, numa altura em que “tudo era aproveitado”, os animais eram utilizados para fazer o estrume com que se fertilizava as terras, depois de fervido em medas, para lavrar e para junguer os carros de vacas, que seguiam carregados de mato, palha e milho. Já os bezerros, após seis ou sete meses ao pé da mãe, eram negociados na Feira de Sul “para fazer algum tostão para as despesas”.

“O que é bom está sempre bem vendido”, vaticina Alberto Martins, recordando o dia em que recebeu, por um exemplar, “cem notas de conto no tempo da vida barata”.

Os carros de vacas eram parte integrante deste modo de vida de antanho, alimentado pela fé no Santo António, padroeiro dos animais, e pela superstição dos que, com uma cruz ou ferradura à porta dos currais, pedem proteção para afastar o mau olhado.

Com o agricultor à proa, cada exemplar tinha o seu chiar caraterístico, enquanto as rodas – que começaram por ser de madeira de eucalipto ou de carvalho e passaram a ser de ferro com duas cambas de madeira e o eixo, em lódo ou nogueira, oleado com unto – deixavam os sulcos vincados nos caminhos.

“Há lódos que cantam que é uma maravilha”, nota, com satisfação, Alberto Martins, enquanto vais descrevendo a composição dos carros de vacas, sem esquecer a machadinha que ficava “entalhada na madeira para o que fosse preciso”.

O chideiro, o cabeçalho que continua em direção à chavelha, as duas chedas que ladeiam o carro e os tornos para segurar a corda e apertar a carga são algumas dessas designações que já só dificilmente se ouvem. A estas juntam-se as duas molhelhas – os “chapéus das vacas” – feitas de cabedal e cheios com palha miudinha, as sogas para junguer os animais, o tamoeiro e o jugo, “que tinha de ser feito de madeiras boas de lódo ou nogueira, por serem seguras mas leves”.

Em cima da estrutura colocavam-se os fueiros que, entrelaçados com varas de castanho e fazendo uma espécie de sebe, ajudavam a transportar tudo o que fosse mais miúdo.

Feitos por mãos sábias, havia vaidade nos carros de vacas, salienta Alberto Martins, orgulhando-se de que “ninguém tinha um carro como o Amaral da Rompecilha”.