Maria de Fátima Silva nasceu em Lisboa a 21 de julho de 1974. O pai nasceu em Colo de Pito e a mãe nas Monteiras, ambas povoações da freguesia das Monteiras no concelho de Castro Daire. O pai foi aos dezasseis anos para o Bairro Chinês em Marvila (Lisboa), onde já se encontrava o avô de Fátima Silva e onde mais tarde se foram juntando outros familiares. Depois de ter começado por trabalhar na empresa de construção Pereira da Costa, o pai trabalhou em muitos outros locais como na Fábrica dos Fósforos, na Fábrica de Aparite e no Palma. Mais tarde foi trabalhar para a Montal, empresa montagem de andaimes, e ainda depois para a Contubos, uma empresa do mesmo ramo. Por sua vez, a mãe sempre viveu da venda ambulante, na rua junto à passagem de nível do combóio, na “praça” (mercado) de Marvila e nas feiras da zona.

A mãe começou por vender fruta e mais tarde começou a vender roupa. Inicialmente o Bairro Chinês tinha a sua feira, mas com o tempo outras duas feiras da zona ganharam protagonismo: a a Feira de Moscavide e a Feira do Relógio. Fátima Silva lembra-se de em criança sair da barraca onde viviam para ir ter com a sua mãe que estava a vender, tendo mais tarde começado a ajudá-la, particularmente quando deixaram de vender frutas e legumes e passaram a vender roupa, sendo necessário ir aos armazéns para comprar a mercadoria ou os próprios revendedores iam às feiras onde havia uma zona de revenda. Por exemplo, a Feira do Relógio era enorme e lá vendia-se de tudo: móveis, comida, roupa, calçado, etc.

Fátima Silva cresceu no Bairro Chinês e conta que era uma zona de muito convívio, pois talvez 90% das pessoas eram oriundas da zona de Viseu. Lembra-se dos bailaricos e dos convívios, dos momentos ao fim da missa de Domingo em que toda a gente falava entre si e contava as últimas novidades.

A família viveu numa barraca até Fátima Silva ter 13/14 anos, tendo mais tarde a barraca sido deitada abaixo para construirem uma casa de alvenaria. A barraca e posterior casa situavam-se na Azinhaga dos Alfinetes, junto ao estádio do Clube Oriental de Lisboa. Com ironia, certos amigos diziam: “Moras nos alfinetes? Vé lá se te picas”. Lembra-se que filmaram o filme “Mala de Cartão” sobre a vida da cantora Linda de Suza no bairro chinês e que todas as crianças jogavam ao pião, à macaca, à corda, ao berlinde, etc. o que a leva a concluir que teve uma infância muito feliz. Por exemplo, nos dias de Verão punham uma manta no chão no pátio em frente de casa e os miúdos da zona juntavam-se a estudar ou a brincar. Ou havendo hortas e campos, os miúdos corriam pelos campos floridos de malmequeres, subiam às figueiras para apanhar figos ou iam apanhar pinhões pois havia vários pinheiros mansos. Todas estas experiências levam Fátima a concluir que teve uma infância muito feliz.

A escola primária era perto de casa, todos iam a pé em grupo. Era a escola da PRODAC, atual Escola João dos Santos que servia só a zona de Marvila. A vida social era muito intensa: Os santos populares (Santo António, São João e São Pedro) eram momentos altos do ano: com os bailes e as marchas populares. Por exemplo, a marcha de Marvila era (e ainda é) organizada pela coletividade Grupo Musical Três de Agosto. As conversas podiam acontecer em qualquer lugar: no chafariz onde se buscar água, enquanto se lavava a roupa, quando se semeava ou apanhava batatas (as famílias tinham quase todas um pedaço de terra, mantendo assim a ligação aos hábitos da terra).

Todos os anos a família vinha a Castro Daire passar as férias de Verão e esse era um momento particularmente especial para as crianças. Fátima Silva tem uma recordação do quão diferentes eram os sons, os cheiros e os sabores da aldeia em relação a Marvila. Conta ela que quando regressavam a Lisboa, sentiam que de Pombal para sul o cheiro se tornava gradualmente mais “pesado”. As férias eram tempos de total liberdade em que se fazia de tudo um pouco: andar com a tia com o gado nos montes, brincadeiras com as muitas crianças que estavam também de férias, os bailaricos, ir tomar banho no rio ou ainda a obrigatória peregrinação à Senhora da Ouvida. Nem toda a gente vinha de Lisboa porque muitos não tinham posses para terem automóvel. No fim das férias, a sensação era estranha, um misto de alegria pelo retorno a casa e de nostalgia por deixarem a liberdade, as amizades e os ares puros da aldeia.

Entrevista a Fátima Silva conduzida por Liliana Silva. Captação de imagem e som por Liliana Silva a 24 de janeiro de 2020. Editado por Liliana Silva.