A felicidade é a percepção e o sentimento da própria ilimitada expansão entendida em seu redor como encontro e fusão. A felicidade é pensada muitas vezes em termos do instante, mas na realidade é uma condição que se pode prolongar ao longo da vida. Rilke falava do “imenso instante”, aquele que se dilata como se o tempo se tornasse espaço. Quando os gregos antigos afirmavam que os deuses eram felizes, usavam a expressão “reia zoontes”, ou seja o seu viver fluía sem obstáculos. A felicidade é como um rio que flui. Um rio que corre sempre numa direcção. Neste seu fluir constante, encontra obstáculos, altera a sua forma e identidade, acolhe memórias, tradições e experiências. O rio Paiva e seus afluentes é caracterizado por lugares nos quais se fixaram pequenas comunidades. Estes lugares, como Pendilhe (concelho de Vila Nova de Paiva) onde realizei o trabalho de campo, considerados invisíveis pela gente urbana, representam no entanto para estas comunidades a extensão da sua própria casa, são lugares aos quais não podem renunciar. Aqui a gente vive de simplicidade e de essencialidade. Esta gente vive deixando-se fluir como um rio. Rheîa Zóontes (do grego “aqueles que escorrem sem obstáculos”) é pois para mim a gente de Pendilhe, a gente que vive naquelas montanhas, os verdadeiros detentores da “makaria” (que em grego significa, “beatitude, felicidade como expansão que não conhece interrupção, como um estado fluente, ou seja, como um rio”), pois com simplicidade e autenticidade, ensinam-nos o que é a felicidade, reportando-a ao seu significado original.

Manuela Barile (n. 1978) é uma artista de origem italiana que vive e trabalha na região rural do maciço da Gralheira (S. Pedro do Sul) desde 2006. Aí desenvolve projectos em estreito contacto com as comunidades locais, tendo em conta aspectos específicos do território como a tradição, a memória, os símbolos e os rituais depositados no solo como marcas indeléveis. O seu trabalho artístico combina antropologia visual e sonora, documentário, vídeo arte, performance art e performance vocal, tocando questões íntimas como a morte, a pobreza, o trabalho, a felicidade, a emigração, etc. A arte de Manuela Barile é uma investigação contínua sobre a realidade, sobre o estar no mundo, sobre a experiência pessoal. Usando como ponto de partida a sua própria existência e a de pessoas comuns, o trabalho da artista é capaz de transformar a experiência individual num lugar de projecção colectiva. Como performer vocal, embarcou em 2001 num percurso pessoal na área da experimentação vocal aplicada à improvisação livre. A artista baseia-se no uso de “técnicas vocais estendidas” focadas na relação entre voz, corpo, paisagem sonora e propriedades acústicas dos lugares. Manuela Barile é presentemente diretora artística da Binaural/Nodar, organização para a qual criou inúmeras obras audiovisuais, muitas das quais co-financiadas pelo Governo de Portugal e por fundações privadas em Portugal e em Itália (“Moroloja”, “Locus in Quo”, “Oikos”, “Rheia Zoontes”, “A Esposa” etc.). As suas obras foram exibidas em múltiplos festivais e espaços expositivos nacionais e internacionais: Australian International Experimental Film Festival, Cologne OFF, Óptica Madrid, Óptica Buenos Aires, Videoholica, Festival Internacional de Cinema de Camden (US), Marco (Vigo), Espaço Isto é Normal (A Corunha), Museu Bienal de Cerveira, Espaço Performas (Aveiro), Teatro Viriato (Viseu), etc.