Acordai que estais dormindo
Nesse sono em que estais
Que vos bate Deus à porta
E vós dormis, descansais.
As almas do Purgatório,
Em grandes penas estão
Vos mandam pedir esmola
Com amor e devoção.
Eu vos peço que lha deem
Se quereis entrar na Glória.
Seja por amor de Deus,
Pai-nosso, Avé Maria.

Ó cristão, olha que és terra,
Lembra-te que hás de morrer
Hás de dar contas a deus,
Do teu bom e mau viver.
Não te deixes derramar,
Como o sol faz com a geada
Que te andam a tentar,
Os três inimigos d’alma.
As almas do Purgatório,
Elas não pedem riqueza
Só pedem as migalhinhas
Que sobram da vossa mesa.
Eu vos peço que lhas deem,
Se quereis entrar na Glória.
Ouvi os tristes gemidos
E os ‘ais’ dos vossos pais,
Que lá estão no outro mundo
E vós deles não vos lembrais.
Seja por amor de Deus,
Pai-nosso, Avé Maria.

Pela voz de Maria de Adelaide de Oliveira Rouxinol, residente em Calde – Viseu, chega-nos a ementa das almas (também conhecida como amenta ou encomendação), uma tradição de essência cristã, que se repetia pela altura da Quaresma. Inicialmente, o ritual era feito apenas por homens, mas quando estes deixaram de o cumprir, as mulheres da aldeia assumiram esse papel. De madrugada, subiam a uma varanda, sacada ou aos locais mais altos da povoação e cantavam, pedindo a salvação das almas.

Numa localidade onde a religião tinha um peso significativo, os Martírios da Semana Santa e a Via Sacra eram outros dos momentos importantes.

Adelaide de Oliveira Rouxinol recorda ainda que, quando era criança ainda pequena, se reproduziam as ladainhas. “Ao nascer do sol já vínhamos de Calde, a pé, para dar três voltas à Igreja. E durante três dias seguidos, rezava-se e invocavam-se os santos”, conta, explicando que, num ano muito seco, em que se pediu chuva a Deus, esta caiu no dia em que terminaram as ladainhas.

Criada no seio de uma família profundamente religiosa, a devoção acompanhou-a ao longo da vida, mantendo o hábito de rezar e de ajoelhar-se para fazer a confissão.