A Binaural/Nodar levou a cabo entre 2015 e 2018 uma longa investigação sobre o ciclo do linho na aldeia de Várzea de Calde (freguesia de Calde, município de Viseu), em estreita colaboração com o Museu do Linho de Várzea de Calde. Como resultado dessa investigação, co-financiada simultaneamente pelo Programa Viseu Cultura do Município de Viseu e pelo Programa Europa Criativa (rede Tramontana), foi publicado o livro bilíngue (português e inglês) “Várzea de Calde: Uma aldeia tecida a linho”, foi lançado o CD “Cancioneiro do linho e da vida rural” do Grupo Etnográfico de Várzea de Calde e foram efetuados dezenas de registos sonoros e audiovisuais, os quais fazem agora parte do Arquivo Digital Binaural Nodar e do Arquivo Viseu Rural (http://www.viseururalmedia.org)

Até há meio século atrás, não existia aldeia beirã onde não fosse cultivado o linho. O cultivo do linho respondia às necessidades ancestrais de abrigo, proteção e conforto do corpo (roupas de vestir ou de cama), sendo que o mesmo existia, tal como acontecia com as restantes produções agrícolas e pecuárias, no contexto de uma economia de auto-subsistência, na qual a maioria da produção de tecidos era para o uso da família, sendo igualmente comum que o trabalho (por exemplo, fiar ou tecer) ou o produto final (os tecidos) pudesse ser trocado por outros trabalhos ou bens, ou ainda, que os excedentes fossem vendidos nas feiras que existiam nas aldeias ou vilas principais da região.

Em 17 de julho de 2016 foram gravadas três fases do linho: o arranque, a ripagem e a curtimenta, com captação de imagem e som de Luís Costa e edição de Liliana Silva.

ARRANCAR O LINHO

Quando a planta do linho termina a sua floração, as cápsulas começam a fechar-se e o caule apresenta uma coloração amarelada. Normalmente, tendo sido semeado na primeira quinzena de Abril, e atingindo o linho a sua maturação dois meses e meio após a sementeira, era costume que pelo São João (24 de junho) já fosse possível arrancá-lo, sendo que tal devia acontecer num dia seco. A planta tem que ser arrancada integralmente pela raiz, de forma a que toda a sua fibra seja aproveitada. As mulheres posicionam-se lado a lado e, entoando cantigas tradicionais entre as quais a cantiga da arrancadela do linho, vão avançando no campo com extremo cuidado, arrancado as plantas de linho e fazendo mão cheias que vão juntando em molhos no chão.

Depois do arranque, alguns homens ajudam a atar os molhos em “gabelas” e a colocar esses molhos na forma de moreias com as cápsulas para cima, de forma a que estas possam secar e abrir-se facilmente, durante o processo seguinte da ripagem. Todos os molhos ou gabelas são finalmente transportados à cabeça pelos homens e mulheres até a uma sombra onde se possa proceder à ripagem e, depois, à bem merecida merenda. No caso presente de Várzea de Calde, foi escolhido um pinhal nas proximidades do linhal do campo do Salgueiro.

RIPAR O LINHO

A operação de separação da baganha (cápsula que contém a semente) do resto da planta chama-se a ripagem, dada a utilização de um instrumento, o ripanço, que consiste numa prancha de madeira com dentes de metal nas duas pontas, a qual em Várzea de Calde é tradicionalmente cravada transversalmente num carro de vacas. Dado que o ripanço tem duas zonas com dentes, é costume colocarem-se nas pontas do mesmo, dois pares de pessoas, sendo que uma pessoa passa as mão cheias de linho àquela que pega nelas pelo lado da raiz e passa a planta pelos dentes, puxando com força, para fazer saltar a baganha.

As baganhas são peneiradas de impurezas e posteriormente dispostas ao sol para que as cápsulas se abram integralmente e a semente (“a linhaça”) se solte, para que fosse guardada para o ano seguinte, ou usada nalguma “cura” (as propriedades curativas da linhaça, por exemplo de doenças de pele, são conhecidas desde a antiguidade). As plantas que foram já ripadas são posteriormente bem amarradas com atilhos e levadas à cabeça até ao local onde se desenvolverá a fase seguinte, o aguar, empoçar ou curtir o linho. Nesse momento, as plantas de linho já amarradas em molhos são chamadas de aguadoiros ou augadoiros. No fim da ripagem, é costume servir-se a quem ajudou no trabalho uma merenda com broa, bôla de sardinha, azeitonas, chouriças e vinho.

AGUAR O LINHO

No mesmo dia do arranque e da ripagem, o linho foi levado até ao ribeiro de Várzea para ser aguado, empoçado ou curtido. Esta fase consiste em fazer mergulhar um a um os augadoiros de linho numa zona do ribeiro com algum caudal e colocar grandes pedras em cima dos mesmos, para a corrente não levar o linho nem este subir à tona. O linho é deixado a curtir entre uma semana e dez dias, sendo que só é retirado quando se testar que o linho não emerge, ficando no fundo do ribeiro ou quando a casca se separar bem da fibra. O aguar o linho tem como consequência a separação da fibra têxtil do linho, aquela que é exterior, dos elementos lenhosos interiores. Essa separação por intermédio da água é gerada por um processo fermentativo induzido pela flora microbiana, que se desenvolve na humidade, sendo que as águas devem ser correntes para não gerar flora microbiana em excesso, o que colocaria em causa a qualidade da fibra.

Passado o período de curtimenta, o linho é lavado no ribeiro para retirar o lodo, retirado em molhos e levado para um lameiro (campo de erva) onde é bem espalhado e colocado a secar e a corar durante alguns dias, mudando periodicamente o lado exposto ao sol, para ficar seco por igual.