Várzea de Calde, em Viseu, é terra de tecedeiras. Aqui “tudo batia pano” e o som do tear confundia-se com o canto sempre alegre do povo. O retrato chega-nos através de Maria Duarte Gonçalves, uma filha da terra, que aqui nasceu em 1944.

O seu pai era resineiro e a mãe descendente de uma longa linhagem de tecedeiras. O casal teve dois filhos e vivia numa casa pequena e humilde. A par da profissão, trabalhavam no campo, tinham ovelhas e criavam os porcos, que serviam para a alimentação e se transformavam em chouriças.

Maria Duarte foi criada nesta labuta difícil.
Aos 13 anos, aprendeu a tecer, com a mãe a passar-lhe esta herança. Não havia luz elétrica, mas pendurava-se um frasco com petróleo num cordão e “alumiava” o entrelaçar dos fios. A progenitora explicou-lhe tudo “certinho”, como se fazia “antigamente”, e fez passadeiras, tapetes, e mantas de trapos, entre outras peças.

Um ano mais tarde já andava também na resina, a ajudar o pai.
Contudo, era na tecelagem que se sentia realizada. “Nunca foi uma obrigação, era um trabalho do dia-a-dia, que fazia com prazer”, nota.

Como não havia dinheiro para tecidos, as mulheres asseguravam a confeção, quer do vestuário como dos têxteis para usar na cama. Além dos lençóis, produziam os colchões que se enchiam de palha centeia, panos, toalhas e camisas, sobretudo para os homens, que, no verão, andavam “fresquinhos que era um regalo”.

Além disso, era preciso cumprir os pedidos dos clientes que vinham de muitos lados. Concluídas as encomendas, as entregas do pano já tecido eram feitas a pé, com a trouxa à cabeça.

Para o inverno, com o fio da lã das ovelhas, tecia-se ainda o burel, um pano grosso com que se faziam calças e casacos para os homens e capuchas para as mulheres.
O testemunho de Maria Duarte Gonçalves leva-nos ainda pela vida em comunidade, onde não faltavam as torgas apanhadas pelos homens na floresta, a lenha que alimentava o lume “para fazer o comer” e a resina praticada nos pinhais particulares.

A vida não era fácil, mas imperava o espírito de entreajuda. “As pessoas andavam sempre alegres. Mais do que agora. Vivíamos com pouco, éramos pobres, mas sempre alegres”, garante, acrescentando que os trabalhos do campo – como arrancar o milho, a desfolhada ou a ceifa do centeio – eram acompanhados pelas modas típicas da região.