A Europa Mediterrânea é palco de movimentos sazonais de gado designados de transumância, destinados a assegurar acesso a alimentação aos animais e a regenerar os pastos de origem, ao mesmo tempo que se adubam os pastos da transumância. A última rota da transumância portuguesa ainda permaneceu ativa até 1999, consistindo nas deslocações de pastores e rebanhos de ovinos e caprinos originários de aldeias do planalto beirão ou localizadas nas encostas sul e oeste da serra da Estrela (municípios de Oliveira do Hospital, Tábua, Nelas, Gouveia, Seia e Mangualde) rumo à Serra do Montemuro e, em tempos mais antigos, até à serra do Marão.

A transumância era planeada com antecipação, especialmente no que aos pastos arrendados, à comida e aos locais de pernoita diziam respeito. Existia um maioral que organizava toda a movimentação dos rebanhos e inclusive se deslocava aos locais para falar com os proprietários dos terrenos, com as comissões de baldios ou com os mordomos da paróquias (consoante o regime de propriedade e de uso dos pastos escolhidos).

A entrada dos rebanhos no concelho de Castro Daire, que acontecia entre os dias de São João (24 de junho) e de São Pedro (29 de junho) fazia-se pela aldeia de Casais do Monte (freguesia de Moledo), seguindo em direção a Mões, Ribolhos, Castro Daire e Vila Pouca até virarem para a serra, existindo um ponto de encontro dos rebanhos na Cruz do Rossão, num local designado de Monte Raso. A partir deste ponto, os rebanhos separavam-se em vários núcleos em função dos pastos acordados (Gralheira, Picão, Mezio, Faifa, etc.). A passagem dos rebanhos era motivo de curiosidade pelas populações da serra do Montemuro, as quais se deslocavam aos locais de pernoita para confraternização com os pastores da serra da Estrela, forjando-se amizades profundas entre estas gentes oriundas de dois maciços serranos beirões.

Um fenómeno social e cultural como a transumância implica uma multiplicidade de memórias pessoais as quais contribuem para aprofundar aspetos muitas vezes não referidos na “memória oficial”.  Graça Mendes conta como sentia enquanto criança a chegada do rebanho da transumância a Vila Pouca, especificamente a um local designado por Alto do Coval onde existe uma de muitos “cruzeiros da independência” mandados erigir pelo Governo do Estado Novo para celebrar a neutralidade de Portugal na II Guerra Mundial. Nesse local, pernoitavam os gados transumantes antes de subirem a serra do Montemuro para se juntarem na noite seguinte na Cruz do Rossão.

Entrevista a Graça Mendes realizada por Luís Costa em 9 de outubro de 2018. Edição de Luís Costa. Agradecimento a Paulo Ferreira pelos esclarecimentos sobre o ponto exato de entrada dos rebanhos no concelho de Castro Daire.